Christiane Araújo Angelotti
1- Introdução
Grande parte das queixas relatadas na clínica fonoaudiológica
referem-se à problemas de aprendizagem e/ou atraso no desenvolvimento
e aquisição da linguagem. Muitas vezes essas queixas associadas
à outros sintomas constituem um quadro mais complexo, a Síndrome
do Déficit de Atenção.
No relato da maioria dos responsáveis por estes pacientes, em geral
crianças, estão presentes sintomas como: hiperatividade, distúrbios
de atenção, incoordenação motora, distúrbios
de fala e outros.
É comum os pais relatarem que os seus filhos "não param
quietos, são desatentos, parecem estar sempre no "mundo da lua",
distraídos, muito ativos, bagunceiros etc".
A investigação por parte dos médicos, fonoaudiólogos,
psicólogos e outros profissionais, que recebem esse tipo de queixa
na clínica é fundamental para constituir o diagnóstico
diferencial do paciente.
2-Histórico
Um dos primeiros autores a escrever sobre a Síndrome do Déficit
de Atenção, foi Dupré, que durante a Primeira Guerra
Mundial descreveu um quadro sintomático intitulado: "Debilité
Motrice", e que na época, passou meio desapercebido.
Anos depois, em 1947, Strauss e Lehtinen definiram esse quadro de sintomas
de "Lesão Cerebral Mínima", acreditando assim existir
uma pequena lesão cerebral.
Em 1962, no simpósio de Oxford, foi oficializada a expressão
"Disfunção Cerebral Mínima", já que
a hipótese da existência de uma lesão cerebral mínima
não tenha sido comprovada.
No ano de 1966, um grupo de estudos organizado pela National Society for
Crippled Children and Adults, NINDB, deram a seguinte conceituação
à Disfunção Cerebral Mínima ( in Paine, 1968
): "As categorias diagnóstica e descritiva incluídas
no termo Disfunção Cerebral Mínima, referem-se à
crianças com inteligência próxima ou superior à
média, com problemas de aprendizado e/ou certos distúrbios
de comportamento de grau leve à severo. associados a discretos desvios
de funcionamento do Sistema Nervoso Central, SNC.
Esses podem ser caracterizados por variadas combinações de
déficits na percepção, conceituação ,
linguagem, memória e controle da atenção, dos impulsos
nervosos ou da função motora. Sintomas similares podem ou
não complicar o quadro de crianças com paralisia cerebral,
epilepsia, retardo mental, cegueira ou surdez.
Essas aberrações podem originar-se de variações
genéticas, irregularidades bioquímicas, sofrimento perinatal,
moléstias ou traumas sofridos durante os anos críticos para
o desenvolvimento e maturação do Sistema Nervoso Central ou
de causas desconhecidas.
A definição também admite a possibilidade de que a
privação severa ou um trauma, ocorrido precocemente, podem
resultar em alterações do Sistema Nervoso Central, possivelmente
permanentes. Durante os anos escolares, uma variedade de dificuldades especiais
de aprendizagem constituem as mais importantes manifestações
da condição que é designada por esse termo".
Após esta conceituação, ocorreram estudos no campo
da neuroquímica que trouxeram contribuições para a
patogenia da Disfunção Cerebral Mínima. A partir de
então, novas propostas foram elaboradas para precisar o conceito
de DCM.
Durante as décadas de 60 e 70, a denominação DCM foi
considerada e empregada para designar um conjunto de sinais e sintomas
como: alteração motora, distúrbio de conduta, distúrbio
de aprendizagem, distúrbio de atenção.
Em 1.980, a Associação Psiquiátrica Americana propôs
uma nova denominação, para uniformizar o conceito, não
utilizando mais a antiga DCM e hiperatividade, mas Síndrome do Déficit
de Atenção.
Esta mudança ocorreu para englobar tanto a hiperatividade como os
demais sintomas, também por não se tratar de uma disfunção
propriamente dita e sim uma falta de maturação do Sistema
Nervoso Central que tende a amenizar com o passar dos anos.
3-Etiologia e Sintomas
A etiologia da Síndrome do Déficit de Atenção,
abrange alterações neurológicas facilmente confundidas
com distúrbios emocionais específicos e autismo.
Entre as alterações neurológicas ligadas à Síndrome
do Déficit de Atenção ( SDA ), pode-se destacar a imaturidade
neurológica difusa e a perturbação quanto aos neurotransmissores
químicos.
Todos os estímulos que a todo momento "bombardeiam" nosso
cérebro, passam pela formação Reticular ( área
localizada no tronco Cerebral ), esta determina os estímulos que
irão tornar-se conscientes, atingindo assim o Córtex.
Na formação Reticular existe um agregado de neurônios
,separados por uma rede de fibras nervosas que ocupam a parte central do
Tronco Cerebral. Nesta área existe um grande número de
núcleos ricos em neurotransmissores destacando-se as monoaminas como
serotonina, noradrenalina, dopamina.
Entre as funções da Formação Reticular, pode-se
destacar o controle da atividade elétrica cortical, Sono e Vigília;
controle eferente da sensibilidade ; controle da motricidade somática
; controle do sistema Nervoso autônomo ; controle neuro-endócrino
; integração de reflexos, centro respiratório e vasomotor.
A integridade das funções de tal área depende da maturação
do Sistema Nervoso Central, consequentemente também da estimulação
a qual a criança é submetida. Quando esta maturação
está atrasada, a criança apresenta a desatenção,
que é o principal sintoma desta Síndrome.
Outros Sintomas que constituem o quadro da SDA são: a hiperatividade,
a incoordenação motora e falta de equilíbrio, distúrbios
de fala, alterações de sensibilidade, distúrbios de
comportamento e dificuldades escolares, que serão discutidos a seguir.
4-Sintomas
Hiperatividade - é uma atividade motora intensa, composta por
movimentos involuntários, associados aos movimentos voluntários,
os quais a criança não consegue controlar. Muitas vezes essa
movimentação intensa é acompanhada por hiperatividade
verbal ou ideativa.
A criança com hiperatividade possui assim, um aumento na atividade
motora. Um exemplo disso, seria quando colocamos uma criança com
hiperatividade em frente a um aparelho de televisão; com freqüência
mantém-se inquieta, movimenta-se constantemente, distrai-se facilmente.
A hiperatividade presente na vida motora da criança, também
está presente na sua atividade cognitiva, a mesma não consegue
concentrar-se e distrai-se facilmente com vários estímulos
os quais é submetida.
Incoordenação Motora e Falta de Equilíbrio - são
funções dependentes da maturação do Cerebelo.
Como esta maturação não está presente na maioria
das crianças portadoras da Síndrome do Déficit de Atenção,
elas possuem uma incoordenação motora e falta de equilíbrio,
sendo crianças caracterizadas pelos pais como "estabanadas",
derrubam objetos, caem com maior freqüência.
Sensibilidade - ocorre devido o atraso na maturação das áreas
do cérebro que comandam as noções de esquema corporal
e praxias. As crianças com SDA possuem uma certa dificuldade gnósicas
( como de localização corporal ) e alteração
de sensibilidade. Sendo assim, essas crianças ao sofrerem algum tipo
de ferimento demoram mais para percebe-lo, e na maioria das vezes nem sabem
como ocorreu.
São crianças mais expostas a situações de risco
por não possuírem exata consciência de perigo.
Distúrbios da fala - freqüentemente são encontrados atraso
na aquisição e desenvolvimento da linguagem, fato que pode
ocorrer devido à dificuldade de atenção e à
lentidão em ultrapassar as etapas do desenvolvimento da linguagem
oral.
Ocorrem também, com freqüência, alterações
fonemicas sistemáticas ( como omissões; substituições
), devido a imaturidade dos mecanismos articulatórios.
Os distúrbios de ritmo também são encontrados, como
a taquilalia. Podem ocorrer também a gagueira ou o clutter( variações
na aceleração da fala, algumas vezes com caracter de jargão,
sugestivo a dificuldade na elaboração da linguagem e mecanismos
articulatórios. Tais alterações são difíceis
de serem reconhecidas como um problema primário ou efeito de um problema
emocional, associado a um quadro inicial de SDA.
Distúrbios de comportamento - A criança com SDA, pode possuir
maior tendência em apresentar problemas emocionais, pois devido sua
hiperatividade e todo o seu quadro sintomático pode a vir a gerar
alguma alteração de comportamento.
São crianças tidas como "desligadas", "inquietas",
"desajeitadas", sendo na maioria das vezes rejeitadas pela sociedade.
Muitas vezes, os próprios pais não sabendo como lidar com
o " temperamento difícil da criança", acabam tornando-se
displicentes.
Devido a rejeição a qual é submetida, a criança
pode desenvolver quadros de introversão e agressão variados.
Inteligência
Não existem dados que comprovem que a inteligência da criança
com SDA não seja normal, exceto quando existir associação
de outros distúrbios neurológicos.
Distúrbio de aprendizagem
A aprendizagem da criança com SDA é bastante prejudicada devido
a dificuldade de concentração.
Durante a idade escolar, a criança é considerada como diferente,
indisciplinada , já que costuma manter-se agitada o tempo inteiro,
distrai-se com facilidade pela existência de inúmeros estímulos.
Portanto, as crianças com SDA são "crianças problemas"
na escola, com muita dificuldade na aprendizagem, principalmente devido
às alterações de atenção e conseqüentemente
concentração.
5-Diagnóstico Diferencial
Existem algumas patologias com uma sintomatologia semelhante à SDA. Por isso, em alguns momentos, torna-se difícil um diagnóstico diferencial.
A seguir será feito um paralelo entre a SDA e outras patologias.
Problemas Psicológicos Graves - Nesses tipos de distúrbios,
a criança geralmente possui hiperatividade. Porém, uma das
diferenças encontradas que a difere da criança com SDA é
que esta hiperatividade cessa em alguns momentos, principalmente quando
a criança se encontra em situações novas ou difíceis.
Quando, por exemplo, uma criança vai a casa de um desconhecido, ela
procura, primeiramente , reconhecer o ambiente e as pessoas. Enquanto a
criança com SDA, já entra no ambiente mexendo em tudo, inquieta,
sobe e desce escadas...
Autismo- O que difere a criança autista da criança com SDA
é o tipo de hiperatividade.
Na criança autista a hiperatividade é na maioria das vezes
esteriotipadas, ritmada e repetitiva, ou seja, sempre com os mesmos movimentos
numa mesma seqüência. Em alguns momentos a hiperatividade cessa
para dar lugar a outras atitudes como por exemplo o choro, o riso, outras
expressões faciais, etc.
Enquanto que na criança com SDA, a hiperatividade não cessa
nunca, nem para dar lugar a outros comportamentos.
Deficiência Auditiva - Este diagnóstico diferencial é
muito importante, pois muitas vezes a mãe traz a queixa de que a
criança " não escuta bem", ou "não presta
atenção quando os outros falam com ela" e quando submetida
á avaliação audiológica não é
detectada uma alteração auditiva.
É nesse momento que o profissional pode suspeitar da SDA, principalmente
se a avaliação audiológica for normal, somada a sintomas
como hiperatividade e dificuldades escolares.
Esta criança pode apresentar uma audiometria normal e queixa por
parte dos pais de que ela "não escuta direito", tanto devido
a dificuldades na seleção dos estímulos, devido a falta
de maturidade do SNC ,especialmente da formação reticular,
quanto por uma dificuldade no cumprimento das etapas do processamento auditivo
central( principalmente a atenção) .
Dislexia -Em crianças com SDA comumente, pode-se encontrar como foi
dito anteriormente, quadros de disgrafia, discalculia e dislexia( dificuldade
para ler e escrever).A disgrafia deve-se em geral à incoordenação
motora. A discalculia pode ser proveniente da dificuldade que a criança
possui da noção de equivalência quantitativa. A dislexia
deve-se a dificuldade de concentração e reconhecimento dos
símbolos gráficos.
Contudo, é importante ser feito o diagnóstico diferencial
da criança com dislexia e da criança com SDA e sintoma de
dislexia.
O paciente disléxico tem dificuldades de reconhecimento estritamente
relacionados com símbolos gráficos, porém não
possui falhas de concentração e atenção como
nos pacientes com SDA.
Um exemplo disso, é que uma criança com dislexia tem dificuldade
na escrita, mas é capaz de realizar um jogo sem dificuldades em prestar
atenção nas regras que envolvem o mesmo. Enquanto a criança
com SDA possuirá dificuldade em perceber as regras, e manter atenção
para tal atividade.
Deficiência Mental-A criança portadora de deficiência
mental possui seu desenvolvimento intelectual prejudicado, o que a impede
em alguns momentos de realizar determinadas atividades, ou seja, ela é
incapaz de entender, por exemplo, regras de jogos mais complexos.
Enquanto a criança com SDA, não é incapaz por ter função
intelectual prejudicada ou deficiente, mas por ter dificuldade no campo
da atenção.
A criança com Deficiência Mental na maioria das vezes pode
não apresentar uma hiperatividade, mas sim um estado de agitação.
Outra característica da criança com deficiência mental
é o quadro de hipotonia que a acompanha.
Afasia de Evolução - o que a diferencia da SDA é principalmente
a existência de uma lesão cerebral, o que não acontece
na SDA.
6-Tratamento
Sempre houve muita discussão em torno do tratamento das crianças
com SDA. Inicialmente, os neuropediatras acreditavam que o tratamento à
base de calmantes e sedativos seria mais eficaz. Porém, foi observado
que tais drogas de ação sedativa agravavam os sintomas.
Após estudos, iniciou-se o tratamento com substâncias estimulantes
do Sistema Nervoso Central, e que nas crianças com SDA estão
deficitárias, substâncias como a anfetamina, que possui composição
semelhante às monoaminas, presentes no SNC. Tais substâncias
são responsáveis pela condução dos impulsos
nervosos até o Córtex Cerebral.; porém a eficácia
do tratamento deu-se apenas em parte dos casos.
Desde a década de 70 vem sendo pesquisados os efeitos de outras
drogas como a cafeína, usada como estimulante do SNC em crianças
com SDA.
O uso da cafeína em substituição à anfetamina,
embora com efeito bem menor que esta, deve-se ao fato da rígida
legislação de controle do uso de anfetaminas, e ao custo
do tratamento.
A cafeína quando administrada terapeuticamente, em dosagem prescrita,
promove a acentuação do estado de atenção Nestes
estudos não foi evidenciada uma melhora significativa diretamente
relacionada no tratamento de crianças com SDA.
Atualmente discute-se o tratamento medicamentoso em pacientes com SDA. Segundo
estudos, parte dos pacientes com DAS necessitam do tratamento medicamentoso
associado à terapia interdisciplinar, devido a presença de
intensa hiperatividade. Outros pacientes conseguem melhora significativa
somente com terapia interdisciplinar( fonoaudiólogos, psicomotrista,
psicólogos, terapeutas ocupacionais etc)
A terapia não medicamentosa, deverá ter como objetivo principal,
desenvolver a atenção e concentração da criança.
Para que esse objetivo seja alcançado é necessário
que o terapeuta tenha alguns cuidados como: a quantidade de estímulos
presentes na sala de terapia, o número de estímulos apresentados
para a criança, o interesse dela na atividade proposta e o tempo
de duração da terapia.
Ambiente da sala- A sala de terapia deverá conter pouca quantidade
de estímulos visuais, para que os mesmos não distraiam a criança
durante a terapia.
Número de estímulos- não adianta a apresentação
de grande número de estímulos, vários jogos e brinquedos
ao mesmo tempo. Deve-se ter o cuidado de apresentar um estimulo por vez,
para que a criança mantenha o interesse e a atenção
por mais tempo possível.
Interesse na atividade proposta- a atividade proposta deverá ser
adequada à idade e aos interesses da criança, às suas
experiências pessoais,para que as mesmas possam tornar-se mais interessantes
e proporcionarem maior possibilidade de concentração.
Duração da terapia- A principio não adianta estabelecer
tempo para a terapia, pois provavelmente a criança não terá
condição de manter sua atenção por toda a sessão.
Para a melhor evolução da terapia, o tempo de duração
de cada sessão deverá aumentar gradualmente de acordo com
as condições de atenção da criança.
Além desses cuidados, o trabalho com a atenção deverá
ser realizado também através de abordagens de percepção
auditiva, percepção visual, orientação de espaço
e tempo, orientação corporal, coordenação motora.
Essas percepções podem ser desenvolvidas também através
do trabalho com ritmo, discriminação, percepção
visual, entre outros. A coordenação motora poderá ser
melhor trabalhada na terapia de psicomotricidade.
Reprodução parcial ou integral do texto permitida
com a devida citação da fonte.
No texto: " Síndrome do Déficit de Atenção" a autora contou com a colaboração ,na Parte I ,das Fonoaudiólogas: Kátia Meneghetti e Dinorah Q. L de Vita no ano de 1996.
Christiane Araújo Angelotti
e-mail: chris_@nutecnet.com.br